STF decide a diferença entre usuário e traficante. Será?

No dia 20 de junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento, que tramita desde 2015, acerca da diferenciação entre o usuário e o traficante de drogas. A discussão central gira em torno da constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, que trata das sanções relacionadas à posse de drogas para consumo pessoal, e a tentativa de desclassificar essa conduta como crime.

Contextualização do Julgamento

  • Histórico:
    O julgamento, adiado diversas vezes por questões internas do STF, visa definir se as sanções aplicadas aos portadores de drogas para consumo pessoal devem ser entendidas como medidas administrativas, em oposição àquelas aplicadas aos traficantes.

  • Projeto de Inconstitucionalidade:
    A discussão propõe que a conduta descrita no artigo 28, ao ser considerada administrativa, não se equipare à criminalidade do tráfico, previsto no artigo 33 da mesma lei.

 

Dispositivos Legais: Artigo 28 vs. Artigo 33

Artigo 28 – Consumo Pessoal

  • Objetivo:
    Trata das condutas envolvendo a posse de drogas destinadas ao consumo pessoal.

  • Sanções:
    Prevê medidas de caráter administrativo, como advertências, sem a imposição direta de pena privativa de liberdade.

  • Desafios na Aplicação:
    A interpretação dos elementos que diferenciam o usuário do traficante muitas vezes recai sobre a discricionariedade dos agentes de segurança pública, o que pode gerar decisões subjetivas.

Artigo 33 – Tráfico de Drogas

  • Objetivo:
    Abrange condutas relacionadas à comercialização e distribuição de entorpecentes.

  • Sanções:
    Prevê penas mais severas, incluindo a possibilidade de prisão, mesmo que a droga seja entregue gratuitamente.

  • Similaridades e Diferenças:
    Ambos os artigos utilizam verbos semelhantes, mas a distinção fundamental reside na destinação da droga – consumo pessoal versus finalidade lucrativa.

 

Critérios de Diferenciação e Desafios Práticos

  • Discricionariedade Policial:
    A diferenciação entre usuário e traficante depende, muitas vezes, da avaliação dos policiais e agentes, considerando fatores como:

    • Quantidade de droga apreendida;

    • Comportamento do indivíduo durante a abordagem (por exemplo, fugir da viatura);

    • Presença de outros elementos indicativos de envolvimento com o tráfico (dinheiro, histórico, pontos de distribuição).

  • Decisões do STJ:
    O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que atitudes isoladas, como correr ao avistar uma viatura, não justificam, por si só, medidas de invasão domiciliar sem o devido respaldo judicial.

  • Limites Quantitativos:
    A falta de definição precisa sobre a quantidade de droga que caracterizaria o tráfico tem gerado debates intensos. Divergências internas – como a discussão entre ministros quanto a um possível limite de 10 ou 25 gramas – evidenciam a complexidade de se fixar um parâmetro uniforme.

 

Aspectos Constitucionais e Federativos

  • Competência Legislativa:
    Conforme o artigo 22 da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre matéria penal. Isso reforça a ideia de que a definição de tipos penais e a fixação de limites quantitativos devem ser decididas pelo Poder Legislativo, e não pelo Judiciário.

  • Pacto Federativo:
    Ao contrário de países com sistemas descentralizados, como os Estados Unidos, o Brasil mantém um ordenamento jurídico uniforme, garantindo que as leis penais tenham aplicação em todo o território nacional.

 

Considerações Finais

A discussão sobre a diferenciação entre usuário e traficante ultrapassa o campo estritamente jurídico e envolve importantes dimensões sociais, médicas e políticas. Entre os pontos de destaque, observa-se que:

  • A interpretação do artigo 28 e a eventual descriminalização da posse para consumo pessoal devem levar em conta evidências técnicas e a realidade prática dos procedimentos policiais.

  • A definição de limites quantitativos para diferenciar condutas é uma tarefa complexa, que exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo não apenas juristas, mas também especialistas em saúde pública e segurança.

  • A intervenção do STF nesse tema levanta questionamentos sobre a separação de poderes, uma vez que a definição de condutas penais é uma atribuição do Legislativo.

O debate permanece aberto, e é fundamental que as decisões tomadas contribuam para um sistema penal mais justo e proporcional, evitando a criminalização excessiva de indivíduos que, em muitos casos, estão inseridos em contextos de vulnerabilidade social.

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